O Nome é Um
Ao contrário da pesquisa atual, que vê a Bíblia como uma espécie de testemunho de lutas de poder cuja obliteração não foi bem-sucedida, imitando o pensamento foucaultiano, devemos extrair insights históricos da Bíblia precisamente através do pensamento ars poetica que concede enorme crédito aos escritores e suas intenções estéticas. A questão que deve ser feita é como surgiu a estética bíblica única e por que justamente em Judá e Israel. E então a resposta se torna evidente: este é um resultado estético necessário do monoteísmo iconoclasta [destruidor de ídolos], onde a adoração física de Deus e o sentimento religioso popular ao seu redor foram necessariamente substituídos pelo trabalho textual em torno da palavra de Deus, que criou uma grande literatura, na qual foi investido o melhor do sentimento religioso popular. Pois por trás de uma grande literatura está um imenso esforço cultural - e não uma conspiração
Por: O Classicista Deuteronomista
A música clássica foi criada a partir do imenso sentimento religioso que foi canalizado para ela na cultura alemã que via na emoção arrebatadora o "elevado" (e posteriormente no Romantismo). Da mesma forma, a literatura clássica bíblica e a arte clássica grega foram criadas a partir do sentimento religioso, que por sua natureza cria complexidade
(fonte)Assim como o Livro dos Reis é interpretado na pesquisa como destinado a unir Judá e Israel e suas tradições em uma única ideologia, o Livro de Josué foi o primeiro unificador entre Judá e Benjamim e suas tradições. O Livro dos Juízes em suas partes integrais (sem as adições no início e no fim) também é uma unificação e coletânea de histórias de todas as tribos, onde justamente Judá está quase ausente e às vezes é negativo, ou seja, é basicamente um livro de unificação do reino do norte (Israel), enquanto o Livro de Josué é basicamente um livro de unificação do reino do sul (Judá). Em outras palavras, segundo esta visão, estes livros foram criados como mitos nacionais fundidos, e só isso explica a variedade de tensões ideológicas e tendências contraditórias que eles contêm.
Mas é claro que isso é um erro porque em outros povos não havia problema em editar uma história ideológica apagando outras tradições e sem complexidade. É uma questão estilística do narrador hebraico, para quem a bela história é aquela complexa em termos de personagens e identificação, e não uma falha sua em criar uma história ideológica unidimensional. Arrogância dos pesquisadores - esta é a história. Esta complexidade do narrador bíblico deriva da falta de complexidade dentro da história dos deuses (como os gregos, por exemplo) como representantes de conteúdos psíquicos e naturais contraditórios - porque há um só Deus, então do ponto de vista literário o herói humano e sua relação com Deus é o complexo e representa conteúdos psíquicos contraditórios.
A questão básica na tradição deuteronomista é por que a unidade de Deus no monoteísmo implica a unidade do culto em Jerusalém. Afinal, nosso instinto é o oposto - o do judaísmo rabínico - pois o contrário parece mais lógico: justamente porque há um só Deus, então pode-se adorá-lo igualmente em qualquer lugar. Por exemplo, em qualquer sinagoga. Mas a ordem pode ser também inversa: a unidade do culto precedeu a unidade de Deus, pois seu objetivo era unir diferentes tradições e tribos, e a unidade de Deus é uma segunda fase e sua radicalização, que foi recrutada como argumento para a unidade do culto, de modo que a luta contra a idolatria é uma luta pela unidade política. E então é preciso também entender a unidade do culto como criadora de oposição aos muitos ídolos e aos muitos lugares e aos ídolos em geral (devido à sua tendência à multiplicação), e a descoberta da justificativa para tudo isso na unidade e abstração de Deus. Porque se o objetivo é um centro político-religioso exclusivo cuja força deriva de seu poder religioso (por falta de poder político), então não se pode adorar o Deus único em mais de um lugar. Ou seja, no monoteísmo bíblico o momento da unidade é mais importante que o abstrato do "em todo lugar", que é o momento filosófico posterior, que resultou da destruição do Templo.
Esta é uma explicação inversa para o surgimento do monoteísmo em Judá. A necessidade de unidade de tribos originalmente nômades e de tradições não criou a Bíblia e seu estilo - mas sim o surgimento do próprio monoteísmo. A necessidade de criar unidade política criou uma unidade cultual ideológica, como substituto para uma unidade cultual governamental, imposta pela força de cima - porque quando não há poder político, há ideologia.